Acho que sempre tive medo de mostrar o meu verdadeiro eu, nunca fui verdadeiramente autentica, e, consequentemente, nunca fui verdadeiramente feliz. Sempre deixei que o meu passado toma-se conta de minha vida, sem achei que eu nunca poderia vir a ser aquilo que eu queria devido a frequentes recordações. Estava enganada. Eu controlo o meu futuro, e o meu destino, sou apenas eu que o dito, bom ou mau, foi aquilo que eu construi. Por isso, hoje, levanto-me e sigo com a minha vida. Hoje começa um novo percurso, uma nova etapa. O meu nome é Filipa, e esta é a minha história.
Quando tu partiste eu sentia-me como se já não conseguisse pegar num lápis e escrever. Eu queria escrever-nos porque nos sentia falta. Talvez esse tenha sido sempre o nosso maior problema, nenhum dizia aquilo que pensava com medo de magoar o outro. E, talvez por isso, eu tenha escolhido escrever o nosso amor a lápis, ou talvez porque não gosto de escrever a caneta.
Um dos bens que tem escrever é podermos dar vida a personagens e construí-las como queremos. Inventamos um principio, meio e fim e sabemos mais sobre elas do que sobre nossos conhecidos, pessoas por quem passamos todos os dias, um professor, um colega de turma. Mas, eu nunca escrevo a caneta, para, se for necessário, ter a possibilidade de alterar a vida das personagens.
Escrevi o nosso amor a lápis, talvez para fazer o mesmo se alguma coisa corresse mal. E fi-lo, apaguei tudo aquilo que escrevi, vezes e vezes sem conta, a folha que transportava o nosso amor rasgou ao apagar.
Nós não temos controlo sobre a nossa vida, não conseguimos mudar aquilo que já aconteceu. E isso saturou o nosso amor, porque, sempre que acontecia alguma coisa, nós olhávamos em frente sem nos preocuparmos em atar os nós que ficaram soltos para trás. A certa altura, os problemas do passado intrometeram-se no nosso caminho, e nós não fomos fortes o suficiente para os contornar, porque estávamos ambos cansados.
Tu desististe do nosso amor muito cedo. E eu fui forçada a fazê-lo também, porque lutar sozinha não tem lógica, e não tinha nada contra que lutar se não estivesse acompanhada. Hoje sei que fiz bem. E voltei a escrever. Escrevo aquilo que vejo, que vivo, com um pouco daquilo que consigo imaginar. Tornou-se mais fácil. Tornou-se mais fácil porque não espero que leias.

ficticio
Sabes que mais ? Eu não quero que tenhas pena, nem que me venhas consolar. Quero que me tentes compreender, quero que saibas que nem sempre vou conseguir estar bem disposta, e nem sempre vou agir com naturalidade relativamente a certos assuntos, e não é defeito, nem feitio. É uma coisa incontrolável  uma coisa que tomou conta do meu corpo e me impede de ser uma adolescente normal.
Quero que saibas que não é por causa do que aconteceu, que eu deixei de gostar de mim. Ou melhor, deixei, mas irás perceber isso mais à frente. Eu agora gosto de mim. Gosto muito de mim. A única coisa que me torna diferente das outras raparigas é os segredos que trago comigo e que me tornam mais sensível. Só isso.
Somos nós, com os nossos actos, que construímos o nosso destino. É como um castelo de cartas, onde o passado acaba por influenciar o nosso futuro e uma carta mal colocada é capaz de fazer com que tudo se desmorone. E, quando isso acontece, é preciso começar tudo de novo, mas com mais calma e dedicação, e com cuidado para não cometer o mesmo erro novamente.

Filipa.
Então, ás vezes, eu sinto-me frágil. E sofro sozinha, comigo. Sem ninguém saber. Lembranças invadem o meu coração, porque a vida segue. Mas o que foi bonito fica. Mesmo quando se tenta apagar com outras coisas, bonitas também. O que foi bonito fica, mesmo que as pessoas já não fiquem mais. O tempo não apaga tudo, certos momentos nem ele consegue apagar. E então lembro-me. Já não dói. Mas dá saudade, saudade do que foi e já não é mais. 

Filipa.
Maio de 2005 
(tenho nove anos)

Resolvi não contar a ninguém. Não sei o que aconteceu, mas sinto-me suja. Sinto-me mal e custa-me falar sobre isto. Por isso ninguém vai saber de nada. Nada de nada. (e ninguém soube, até ao ano passado)

Filipa.
Ainda hoje não sei o que se passou, não sei qual a intenção dele ao tentar fazer-me isso, violar-me talvez... Mas estragou-me a infância, arrisco-me a dizer que me estragou a vida. Vivo atormentada, constantemente à espera que ele me apareça à frente, com o intuito de terminar aquilo que começou. E dói querer sair à noite e não conseguir, ou tentar andar confiante pela rua, quando estou sozinha, mas nunca me ser possível. Eu tenho medo. E o meu coração começa a bater acelerado e eu começo a sentir-me quente, e depois fria. O mesmo acontece, todos os dias, à noite. Porque eu tenho medo do escuro. Imagino-o sempre nas sombras que o luar transporta. Imagino-o a agarrar-me e a forçar-me a fazer alguma coisa que eu não queira. Agora não tanto. Os dias têm estado serenos e calmos, eu ando mais ocupada com outras coisas e isto não acontece tão frequentemente. Mas dói saber que agora não posso fazer nada para me livrar desta corda que me aperta o coração e me impede de respirar, sou obrigada a viver com ela.

Filipa.